Tuesday, May 16, 2017

Letters in Poems: Guillaume Apollinaire


Lettre-Océan

Je traverse la ville nez en avant et je la coupe en 2
J'étais au bord du Rhin quand tu partis pour le Mexique
Ta voix me parvient malgré l'énorme distance
Gens de mauvaise mine sur le quai à la Vera Cruz
Juan Aldama - Correos - Mexico - 4 centavos - U.S. Postage 2 cents 2
REPUBLICA MEXICANA TARJETA POSTAL
11 45 29-5 14 Rue des Batignolles
Les voyageurs de l'Espagne devant faire le voyage de Coatzacoalcos pour
s'embarquer je t'envoie cette carte aujourd'hui au lieu de profiter du courrier
de Vera Cruz qui n'est pas sûr. Tout est calme ici et nous sommes dans
l'attente des événements.
T S F
Sur la rive gauche devant le pont d'Iéna
Arrêtez cocher
Vive le Roy
Evviva il Papa
la gueule mon vieux pad
non si vous avez une moustache
La Tunisie tu fondes un journal
Jacques c'était délicieux
À bas la calotte
Des clefs j'en ai vu mille et mille
Hou le croquant
Vive la République
Zut pour M. Zun
BONJOUR À NOMO À NORA
TU NE CONNAÎTRA JAMAIS BIEN LES
MAYAS
Te souviens-tu du tremblement de terre entre 1885 et 1890
on coucha plus d'un mois sous la tente
BONJOUR MON FRÈRE ALBERT À MEXICO
Jeunes filles à Chapultepec
Haute de 300 mètres
Sirènes ou ou ou ou ou ou Hou Hou Hou
Autobus ro ro ro ro ting ting ro o changement de section ting ting
Gramophones z z z z ou ou ou o o o o o o
o o o o o de vos jardins fleuris fermez les portes
Les chaussures neuves du poète
cré cré cré cré cré cré cré
rue St-Isidore à la Havane cela n'existe +
Chirimoya
A la crème à
Pendeco c'est + qu'un imbécile
il appelait l'indien Hijo de la Cingada
priétaire de 5 ou 6
je me suis levé à 2 h. du matin et j'ai déjà bu un mouton
Le cablogramme comportait 2 mots EN SURETÉ
Allons circulez Mes
ture les voyageurs pour chatou
Tous saint Luca est maintenant à Poitiers
et comment j'ai brûlé le dur avec ma gerc 



Como indica o título, o poema é apresentado como uma carta (carta-oceano sendo uma transmissão que se fazia de navios em alto mar para o continente, sendo usada, por exemplo, durante o naufrágio do Titanic, em 1912). Se há um tema aqui, pode-se dizer que são as novas formas de comunicação e seu impacto na percepção e na vida das pessoas. Neste poema, Apollinaire ambiciona reproduzir, ao modo simultaneísta, as barreiras vencidas pelo advento dos novos meios de comunicação (a telegrafia sem fio, o rádio, o fonógrafo, o telefone, o cinema). O gatilho do poema é a troca de mensagens e correspondências entre ele em Paris e seu irmão Albert, que estava no México. O primeiro passo é decidir por onde começar a leitura, pois se ele se apresenta simutaneamente ao nosso olhar. Primeiro, somos apresentados a “ilhas de linguagem” que desorientam nossos padrões de leitura. Lugares geográficos são indicados apenas de passagem, como alusões a eventos históricos (o terremoto em Nice, OS MAYAS, ou a revolução Mexicana).

Os blocos de ondas que dividem simetricamente a peça figuram tanto o mar que o separa de seu irmão Albert como também as ondas hertzianas que os une no ato comunicativo. Segue-se uma colagem de fragmentos de dois cartões postais. Na parte de baixo da primeira página, um forma circular nos chama a atenção: difícil decidir se ele se remete a um mandala, à forma de um molho de chaves (“Já vi milhares de chaves”, lemos num fragmento). Talvez isso tudo ao mesmo tempo, mas, principalmente quando consideramos o segundo mandala, na página direita, percebemos que os raios representam a “informação” que escapam da antena da TSF (sigla para “telegrafia sem fio” e que aparece, em fonte bem maior e em bold, entre os dois círculos, talvez também figurando a torre).

Constatamos, então, que os dois raios do círculo são formados de fragmentos de conversa (“na Tunísia você funda um jornal”) fragmentos de anúncios de jornal (“[pro]prietário de 5 ou 6 im [óveis]….”), comandos de um policial (“todo mundo circulando”), relatos de experiências sexuais (“Jaques foi um tesão”), cantadas, pequenas confissões ilicitas (“viajei de graça com minha garota”), vaias populares (“BÚÚÚ aos camponeses”), confissões etílicas ( “acordei às 2 da manhã e já bebi uma garrafa de mouton”), refrões de vendedores de sorvete (“À la créme a...") ou de um menu de restaurante, anúncios de embarque de trem (“passageiros embarcando para Chateau”), mensagens urgentes (“Páre motorista”, “o cabograma constitua em duas palavras EM segurança/A SALVO”), fragmentos de slogans políticos ("Vida longa ao Rei”) ou religiosos ( “Abaixo os padres”, “EVIVAOPAPA”), ruídos de ônibus, sirenes, interjeições, e até mesmo os ruídos que “os sapatos novos do poeta” fazem pelas ruas de Paris (descritos em letras maiúsculas e sugeridos pela repetição dos passos através da onomatopéia “cri”). Este último som também pode sugerir os ruídos da agulha saltando nos sulcos do “disco”, uma novidade na época.

Apollinaire se inspira no fato da poderosa antena ter sido instalada no alto da torre Eiffel há pouco tempo, sendo usado por militares e também como padrão de medição do tempo e para emitir mensagens militares, sinais, de rádio, fazendo dela o “centro” ou “umbigo” do mundo (outro caligrama possível). A torre aqui é transformada numa verdadeira Torre de Babel modernista. O que temos é um oceano de linguagem mas é impossível determinar sua origem. Os dois círculos também podem estar figurando a torre e a roda gigante instalada em suas proximidades na época, e que se tornou tema de ínumeros fotógrafos e pintores.

Como se não bastasse, “Carta-Oceano” ainda nos guarda uma última surpresa, pois exatamente no centro da mandala temos a informação de nossa localização verdadeira: “a 300 metros de altura” (a altura da torre Eiffel). Só então percebemos, para nossa surpresa, que a tomada proposta da torre Eiffel e seus raios não é lateral, mas de cima para baixo, como uma visao aérea: a torre Eiffel vista de cima, a emitir e receber mensagens do mundo e do ambiente urbano ao redor.

Embora ele mesmo reconhecesse que um poema, ao contrário da pintura, nao é eminentemente espacial (como a pintura ou o cinema, por exemplo) e sim temporal (lemos de fonema a fonema, de palavra em palavra) Apollinaire nos desafia, em poemas como este, a repensar a relação entre palavra e imagem, aparência e real, tempo e espaço. “Carta-Oceano” pode ser vista como uma síntese de alguns procedimentos de sua poesia, sendo uma mistura de caligrama, poema-pintura e poema-conversação. O poema, enfim, é dotado de uma rica textura textual e ainda hoje desafia nossos hábitos de leitura. 

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